Jorge Sampaio (1939-2021): Os Concertos

 

Jorge Sampaio, Presidente da República Portuguesa entre 1996-2006.

Fonte da Imagem: Miguel Lopes em My PhotoJournalism http://myphotojournalism.blogspot.com/2016/12/jorge-sampaio.html

No passado dia 26 de agosto, Jorge Sampaio publicou um artigo no qual sublinhava a importância do primado da solidariedade, relembrando-nos que esta devia ser encarada como uma responsabilidade e um dever cívico – trata-se, de resto, de uma ideia que parte do mote que adotara na sua juventude, aquando do discurso de Kennedy de 1961: em vez de perguntarem o que é que o vosso país pode fazer por vós, perguntem o que podem fazer pelo vosso país.”.

Um dia depois, Jorge Sampaio foi internado no Hospital de Santa Cruz, onde viria a falecer a 10 de setembro. Em consequência da morte do ex-Presidente da República, foram decretados três dias de luto nacional, bem como cerimónias fúnebres de Estado, que decorreram entre os dias 11 e 12 do mesmo mês. No dia 18 assinalou-se a data do seu aniversário, em que teria completado 82 anos.

O mês de setembro ficou, assim, marcado pela morte de Jorge Sampaio, mas também, e acima de tudo, pela celebração da sua vida. Muitas foram as personalidades que partilharam as suas memórias e vivências com Sampaio, o que nos permitiu conhecer não apenas a sua faceta política – no expoente máximo de Chefe de Estado – mas também do homem de cultura, melómano, que ouvia Beethoven aquando dos momentos de reflexão; e do defensor de causas ímpares, como a defesa dos Direitos Humanos, que se materializou na criação da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios.

Por ter nascido no início deste século, tenho apenas memória do período da vida de Sampaio no pós-Presidência da República (de 2006 em diante). Assim, ouvir os testemunhos de outrem sobre a sua vida permitiu-me construir uma imagem muito mais completa da sua pessoa, algo que estava em falta. Foi relembrado, de múltiplas perspetivas, o seu papel no movimento académico da década de 60 em prol da Liberdade, tendo sido dirigente da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa e mais tarde secretário-geral da RIA (Reunião Inter-Associações). Tomou posições marcadamente contra a ditadura Salazarista, o que culminou com duas noites na prisão de Caxias e um interrogatório conduzido pela PIDE.

Curiosamente, a transição do associativismo estudantil para as dinâmicas partidárias não foi, de todo, linear. Inicialmente, Sampaio fundou aquilo que viria a ser o MES (Movimento de Esquerda Socialista) em 1970, com José Dias, Vítor Wengorovius e Agostinho Roseta. Contudo, com a radicalização do mesmo abandonou-o em dezembro de 1974. No ano seguinte fundou, com muitos outros nomes, uma nova organização política, o GIS (Grupo de Intervenção Socialista). Foi apenas em 1978 que Jorge Sampaio aderiu ao PS (Partido Socialista), ficando com o número 102.279 de militante.

No que diz respeito à arte da política, e considerando os relatos que vieram a público, há um ponto que todos têm em comum: Jorge Sampaio não fazia política de forma partidária, mas sim entre amigos. Carlos Gaspar comparou, inclusive, os encontros de tomada de decisão aos dos cavaleiros da Távola Redonda – uma alegoria particularmente feliz pelo peso que os modos britânicos tinham na vida de Sampaio. Esta cultura de amizades em oposição à partidária é, talvez, uma das razões por que não se filiou no PS desde o início, suportando em simultâneo a evidência de que a sua forma de atuar destoava da de Mário Soares – seu antecessor em Belém.

Os 10 anos da presidência de Sampaio foram palco de momentos particularmente únicos, verdadeiros casos de estudo para a Ciência Política. Desde ter suportado o primeiro governo minoritário de António Guterres, levando-o ao fim do mandato; até à derradeira medida que eliminou qualquer comparação entre o cargo de presidente da república português e o de monarca inglês: a dissolução da Assembleia da República e consequente convocação de eleições antecipadas. Foi deste modo que terminou o XVI Governo Constitucional de Pedro Santana Lopes e se iniciou o primeiro ciclo de governação socrática.

Jorge Sampaio foi um homem que prezou a estabilidade e a harmonia, sendo esse o âmago da sua forma de fazer política. Não só, era alguém que se preocupava com o próximo, e pensava em soluções. Depois de sair do palco da política nacional dedicou-se ainda mais ao plano internacional – que já estivera presente nos casos de Timor-Leste e de Macau, dois momentos em que se revelou um diplomata em pleno. Foi Enviado Especial do Secretário-Geral da ONU para a Luta Contra a Tuberculose (2006-2007) e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações (2007-2013).

No fundo, Jorge Sampaio adorava “concertos”. Uns musicais, outros diplomáticos e políticos. Mais, procurava alcançar estes últimos de forma íntegra, pois era uma pessoa movida por fortes ideais democráticos e penso que encarava os cargos que desempenhava com um profundo sentido de responsabilidade e dever, mantendo essa linha de pensamento independentemente das práticas comummente utilizadas. O artigo que publicou no passado mês de agosto é prova viva da sua dedicação às causas humanitárias, e um testemunho não só político, mas também cívico, derradeira convocatória, a todos nós, para uma cidadania ativa e livre.


Fontes:

CASTANHEIRA, José Pedro - «Jorge Sampaio (1939-2021). Diálogo de uma vida». In A Revista do Expresso. Lisboa, Edição 2 551, Sexta-feira, 17 de setembro de 2021, pp. 20-30.

«Comunicado do Conselho de Ministros extraordinário de 10 de setembro de 2021». Sexta-feira, 10 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/governo/comunicado-de-conselho-de-ministros?i=442

Múltiplos testemunhos televisivos e radiofónicos sobre Jorge Sampaio.

RIBEIRO, Nuno - «Jorge Sampaio, um compositor de interesses». In Público. Lisboa, n.º 11 460, Sábado, 11 de setembro de 2021, pp. 4-11.

SAMPAIO, Jorge - «Dever de solidariedade». In Público. Quinta-feira, 26 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.publico.pt/2021/08/26/opiniao/opiniao/solidariedade-1975228


A colaboradora do blog,

Inês Pinheiro

 

O que achaste do artigo escrito pela colaboradora Inês Pinheiro este mês? Deixa o teu comentário aqui no blog e partilha o artigo nas redes sociais!

Segue-nos nas redes sociais! Facebook: @passaportedaatualidade / Instagram: @passaportedaatualidade / Twitter: @passaporteblog

Comentários

Mensagens populares