O Lado Feminista dos Protestos pró-democracia na Tailândia

     À primeira vista, parece que a Tailândia está a dar os passos certos em direção à igualdade de género. Em 1932, as mulheres tailandesas foram das primeiras na Ásia a conquistar o direito de voto e, em 2011, uma mulher foi eleita primeira-ministra. Soma-se o facto de haver mais mulheres do que homens no Ensino Superior e de 40% das empresas serem lideradas por mulheres. Porém, isto esconde grandes problemas. Apenas 14% dos deputados são mulheres e, em 2019, a academia da polícia passou a aceitar apenas candidaturas de homens.
      
     Os próprios líderes do país não parecem estar empenhados ou interessados em resolver a discriminação de género. Por um lado, o rei, Maha Vajiralongkorn Bodindradebayavarangkun, voltou a instituir a figura de “concubina real” e tem um harém com dezenas de mulheres que o jornalista britânico Andrew MacGregor Marshall acredita serem drogadas e vítimas de lavagem cerebral. Por outro lado, o primeiro-ministro Prayuth Chan-ocha, um general que chegou ao poder através de um golpe de estado em 2014, afirmou que: “Dizem que temos de instaurar justiça e que os homens e as mulheres têm de ter direitos iguais. Porém, a sociedade tailandesa iria deteriorar-se se pensássemos desta forma.". A seguir, disse que enquanto as mulheres mandam no lar, "fora de casa, somos [os homens] grandes. E no trabalho temos o poder". Chumaporn Taengkliang, uma cofundadora da aliança política Mulheres para a Liberdade e Democracia, já alertou que “a sociedade da supremacia masculina tem crescido desde o golpe de estado”.

     Foi esta postura retrograda por parte das principais instituições da Tailândia, que levou a uma onda de manifestações, em prol da democracia e de uma mudança na mentalidade. Um dos assuntos mais abordados tem sido a discriminação que as mulheres enfrentam, especialmente, devido ao grande número de manifestantes femininas. O país nunca teve um verdadeiro movimento feminista organizado, mas estes protestos estão a ser liderados por Panusaya Sithijirawattanakul, uma estudante de Sociologia de 21 anos.

     Em agosto, Panusaya leu, em frente a uma multidão, uma lista de dez exigências, entre as quais, a limitação da riqueza e do poder da realeza e que passasse a ser permitido criticar a mesma. No mês seguinte, entregou esta lista aos guardas do palácio, mesmo estando acusada de ter violado as medidas de prevenção do novo coronavírus e do crime de sedição. A oposição acusou-a de estar a ser manipulada, ao que ela respondeu que nem a própria mãe a conseguiria manipular. De facto, os seus pais tentaram demovê-la arduamente, contudo Panusaya não deixou de lutar pelos ideais que tem desde criança. Já quando estava na primária, questionava-se sobre a razão pela qual tinha de fazer desenhos do rei na escola e mais tarde, no secundário e na universidade, passou a discutir sobre a política do país com os amigos.

     Para além de Panusaya, há outras ativistas que defendem os direitos das mulheres e da comunidade LGBQT+ inclusive. É o caso de Chumaporn Taengkliang, que sugeriu que se acrescentasse às exigências de Panusaya que a superioridade estrutural do homem na monarquia deveria acabar, e de Sirin Mungcharoen, que foi humilhada por ativistas pró-democracia masculinos por afirmar que os direitos da comunidade LGBTQ+ e das mulheres são essenciais para a democracia.

     Desde então muitas estudantes têm protestado, nomeadamente, contra a lei do aborto e contra a classificação de produtos de higiene feminina como cosméticos, o que os torna mais caros. Quando o hino da realeza ou do país começa a tocar em assembleias da escola, estas alunas fazem a saudação de três dedos da série de ficção Hunger Games, que se tornou num dos maiores símbolos dos protestos. Efetivamente, há um grande número de alunas de escolas privadas de elite a juntarem-se aos protestos e a maioria das outras manifestantes fazem parte das classes média e alta de Banguecoque.


A saudação de três dedos dos Hunger Games tornou-se num símbolo dos protestos. Fonte da Imagem: https://www.scmp.com/ 

Em 2016, Chanida Chitbundit, a diretora do programa de pós-graduação da Universidade Thammasat em Estudos Femininos, alertou para o facto das mulheres de zonas rurais e com condições socioeconómicas mais baixas serem esquecidas pelas feministas das classes média e alta da capital. Chitbundit também sublinhou que para estas mulheres “não importa de quem é o último nome que uso, desde que tenha dinheiro suficiente para cuidar da boca e do estômago, desde que tenha terra da qual possa viver”. Isto mostra que estas mulheres, que compõem mais de metade da população feminina tailandesa, estão mais preocupadas em sobreviver do que com o código de vestuário das escolas ou com a importância dada aos concursos de beleza na Tailândia.

Resta saber se os protestos em Banguecoque, que se continuam a desenrolar, vão conseguir dar o impulso necessário para modificar a estrutura da sociedade e acabar com a discriminação de género, não só na elite tailandesa, como também nas classes mais baixas.

A colaboradora do blog,

Mariana Roque


O que achaste do artigo escrito pela colaboradora Mariana Roque este mês? Deixa o teu comentário e partilha o artigo nas redes sociais.

Já leste o novo artigo da rubrica “Mês em Revista” para ficares a par dos últimos destaques internacionais? O link encontra-se aqui: https://passaportedatualidade.blogspot.com/2020/11/destaques-outubro2020.html 


Comentários

Mensagens populares