Escalar da tensão no Mediterrâneo Oriental: Grécia e Turquia

      Em 2011, foram encontradas, pela primeira vez, fontes de gás natural na costa do Chipre. Esta exploração pode permitir à Europa diminuir a dependência da importação de gás natural vindo da Rússia, porém as rivalidades no Mediterrâneo Oriental, especialmente entre a Turquia, o Chipre e a Grécia, estão a dificultar a partilha dos recursos.



Contextualização Histórica

Após terem tido uma relação atribulada durante muito tempo, a Grécia e a Turquia decidiram estreitar os seus laços a seguir à Segunda Guerra Mundial, pois ficaram sob a ameaça do bloco comunista. Assim, juntaram-se à NATO, em 1952, dado que esta oferecia segurança em relação à URSS, o que permitiu a estes Estados virar o seu foco para os assuntos regionais, mais precisamente para a questão do Chipre. Assim, a Grécia passou a ter a disponibilidade e a capacidade necessárias para apoiar a Enosis (1). Todavia ao contrário do que previa, isto não agradou à Turquia.

Deste modo, o conflito entre os cipriotas gregos e os cipriotas turcos começou a escalar, tal como a tensão entre a Turquia e a Grécia. Os E.U.A. e a NATO tentaram apaziguar a situação, mas não tiveram sucesso. Pelo contrário, a última amplificou o problema por diversas razões. A Turquia recebeu mais armas por parte da NATO do que a Grécia, o que levou a sentir-se ameaçada pela Turquia. Além do mais, o issue linkage (2) fez com que a tensão se alastrasse para outras áreas e envolvesse mais Estados. Finalmente, em 1974, a Turquia invadiu a ilha cipriota e criou a República Turca de Nordeste do Chipre que só é reconhecida pela Turquia até à atualidade.

As disputas territoriais entre a Grécia e a Turquia também incluem as fronteiras marítimas, pois a Turquia é um dos poucos Estados que não assinou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a qual determina que os Estados têm direito a uma Zona Económica Exclusiva que pode ir até às duzentas milhas náuticas. Em vez disso, a Turquia defende que as fronteiras marítimas devem ser determinadas pela plataforma continental e que as ilhas não têm direito a uma ZEE.

Fonte da Imagem: BBC News.

A relação entre estes Estados melhorou durante algum tempo, em 1999. Tal deve-se ao facto da Grécia e da Turquia terem sofrido terramotos na mesma altura, o que levou a que se entreajudassem. Graças à chamada “diplomacia de terramoto”, a União Europeia atribuiu à Turquia o estatuto de país candidato, todavia o processo de adesão ainda não está concluído. A principal razão é a questão da ocupação do Chipre por parte dos turcos, contudo a Grécia e o Chipre também aproveitaram a oportunidade para pressionar a União Europeia para aplicar sanções contra a Turquia. A Turquia também não gostou que vários países do antigo bloco soviético tivessem entrado antes de si.

Tudo isto coincidiu com a chegada ao poder do AKP, um partido conservador e religioso, e com um grande desenvolvimento económico. Tal levou e permitiu à Turquia tentar diversificar a sua política externa no final dos anos 2000. O objetivo do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Davutoglu, era que a Turquia se tornasse num país central com múltiplas identidades regionais (3). Uma das suas apostas mais fortes foi o Médio Oriente, no qual a Turquia se tentou afirmar enquanto promotora da paz e da democracia, porém a Primavera Árabe, que ocorreu entre 2010 e 2012, mostrou que isto era impossível.


 Disputa em torno dos Recursos Energéticos

A partir daqui a política externa passou a ser mais influenciada pela política interna. Como esta tinha um caráter conservador e nacionalista, era mais difícil ter boas relações com Estados democráticos e ocidentais. Este afastamento progressivo do Ocidente e o uso cada vez mais vincado do Hard Power (4) coincidiram com a descoberta de fontes de gás natural ao longo da costa do Chipre, em 2011, por uma empresa norte-americana.

No ano seguinte, a Turquia começou a perfurar na costa da República Turca de Chipre do Norte para desagrado dos cipriotas gregos, todavia a tensão começou verdadeiramente a escalar em 2018. Em fevereiro, a marinha turca impediu que um navio da ENI perfurasse gás natural ao longo da costa cipriota, apesar da empresa italiana ter a permissão de Nicósia.

No final desse ano, as relações com a UE melhoraram um pouco após esta ter ajudado a Turquia financeiramente, devido às sanções económicas norte-americanas. Porém, a aproximação mais significativa que a Turquia teve nesse ano foi com a Rússia, após Erdogan ter publicado um texto no The New York Times onde avisava os E.U.A. que a sua política externa não dependia deles. Contudo, as suas relações voltaram a piorar em março de 2020 devido ao seu envolvimento na guerra da Síria. Tal não impediu a Rússia de se oferecer para mediar o conflito em setembro de 2020. Além disto, a Turquia tem vindo a intervir no conflito da Líbia para assegurar os seus interesses no Mediterrâneo Oriental. Assim, estes dois Estados assinaram um acordo para estabelecer as suas fronteiras marítimas no final de 2019.

Por seu lado, a Grécia, o Chipre, a Palestina, a Jordânia, a Itália, o Egito e Israel criaram a organização EastMed Gas Forum, em janeiro de 2019, de modo a criar um gasoduto para transportar os recursos energéticos do Mediterrâneo Oriental para a Europa e cimentar a sua aliança contra a Turquia. Mais tarde, em agosto de 2020 a Grécia e o Egito assinaram um acordo para definir as suas fronteiras marítimas que violava o acordo feito entre a Líbia e a Turquia no ano anterior. Como resposta, a Turquia enviou o navio sísmico Oruc Reis para o Mediterrâneo Oriental. Este não entrou nas zonas delineadas pelo acordo egípcio-grego, contudo passou pelo Sul de Kastellorizo cujas águas são uma zona disputada pela Grécia e pela Turquia. A 12 de setembro, o navio sísmico Oruc Reis foi retirado devido às negociações entre a Turquia e a Grécia, todavia, o navio voltou a ser lançado na noite de 11 de outubro.

No início de novembro, Erdogan declarou querer fazer um picnic em Varosha, uma cidade cipriota que pertencia aos cipriotas gregos e ficou deserta após a invasão turca de 1974, o que causou protestos. No entanto, no final desse mês, o Presidente turco apelou ao diálogo com a Europa e terminou a missão do navio sísmico Oruc Reis.

Esta mudança esteve relacionada com a cimeira do Conselho Europeu que se realizou a 10 e 11 de dezembro. A questão da disputa em torno dos recursos energéticos no Mediterrâneo Oriental é de extrema importância para a União Europeia porque os países europeus estão bastante dependentes da Rússia para receberem gás natural. A estratégia da União Europeia tem sido aplicar sanções à Turquia, o que foi mantido na cimeira do Conselho Europeu de dezembro de 2020. Porém, tal não foi suficiente para parar a Turquia e o navio sísmico Oruc Reis continuará a operar no Mediterrâneo até 15 de junho de 2021.

Fonte da Imagem: https://www.aa.com.tr/

É impossível saber como e quando é que esta disputa irá terminar, mas a eleição de Biden indica que a política de não intervenção de Trump terminou. Deste modo, a Turquia terá menos espaço para continuar com uma atitude agressiva. De qualquer modo, esta será sempre uma questão difícil de resolver porque implica rivalidades que duram há bastante tempo, disputas de fronteiras e a vontade da Turquia de aumentar o seu poder.

 

A colaboradora do blog,

Mariana Roque

 

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(1) Movimento com o intuito de anexar o Chipre à Grécia.

(2) Quando Estados negoceiam assuntos de natureza diferente para chegar a um acordo mútuo.

(3) Barrinha, A. (2014). The ambitious insulator : revisiting Turkey’ s position in Regional Security Complex Theory. Mediterranean Politics, 19(02), 165–182.

(4) Coagir outros Estados através de meios económicos e militares de modo agressivo.


Fontes:

Barrinha, A. (2011). Turquia. In M. R. Freire (Ed.), Política Externa trabalho e investigação. As Relações Internacionais em Mudança (pp. 361–386). Imprensa da Universidade de Coimbra. https://doi.org/78-989-26-0086-4   

Barrinha, A. (2014). The ambitious insulator : revisiting Turkey’ s position in Regional Security Complex Theory. Mediterranean Politics, 19(02), 165–182.

Bastos, L. (2018). A Turquia e a luta pela relevância num mundo «pós-americano». Relações Internacionais, 60, 57–68. https://doi.org/10.23906/ri2018.60a04

Erdogan calls on EU for dialogue, says Turkey’s future in Europe. (2020, November 21). Aljazeera. https://www.aljazeera.com/news/2020/11/21/erdogan-calls-on-eu-for-dialogue-says-turkeys-future-in-europe

Krebs, R. R. (1999). Perverse institutionalism: NATO and the Greco-Turkish conflict. International Organization, 53(2), 343–377. https://doi.org/10.1162/002081899550904

Leblanc, I. (2017). Resetting the Relationship. Turkish Policy Quarterly, 16(June), 29–35.

Russia offers to mediate any Cyprus-Turkey talks. (2020, September 8). Reuters. https://www.reuters.com/article/us-cyprus-turkey-russia-idUSKBN25Z19Y

Timeline: Turkey’s gas exploration off Cyprus raises tensions. (2019, October 19). Reuters. https://www.reuters.com/article/us-cyprus-turkey-ship-timeline-idUSKBN1WT20L

Tzogopoulos, G. (2020). How the EU should deal with the eastern Mediterranean. European Council on Foreign Relations.

Ülgen, S., & Aydintasbas, A. (2020, September 17). A Conflict Could Be Brewing in the Eastern Mediterranean. Here’s How to Stop It. Carnegie Europe. https://carnegieeurope.eu/2020/09/17/conflict-could-be-brewing-in-eastern-mediterranean.-here-s-how-to-stop-it-pub-82759

 

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