Presidenciais Americanas 2020: das Sondagens à Decisão

Dia 3 de novembro de 2020 os cidadãos americanos foram chamados às urnas, naquela que é considerada a “Grande Terça-Feira” – a 1ª terça-feira depois da 1.ª segunda feira do mês de novembro. Nela, cada Estado escolhe os Grandes Eleitores (e define a sua intenção de voto), que tomarão lugar no Colégio Eleitoral, o qual elegerá – a 14 de dezembro – o 46.º Presidente e o 49º Vice-Presidente dos EUA (1). A tomada de posse acontecerá a 20 de janeiro de 2021 e o mandato (mediante a Secção 1 do Artigo II da Constituição) durará 4 anos.

Contextualização do Sistema Americano

Joe Biden e Donald Trump, candidatos presidenciais à Casa Branca nas eleições norte-americanas de 2020.

Fonte da Imagem: BBC News

Nos EUA, a eleição para os cargos de Presidente e Vice-Presidente funciona de uma maneira diferente daquela que conhecemos em Portugal. Por isso, façamos um sumário dos pontos mais importantes, antes de passar para a análise das eleições deste ano.

No sistema norte-americano, está implementada uma eleição indireta, ou seja: os cidadãos votam para escolher os membros de um Colégio Eleitoral, formado por Grandes Eleitores, e não para os detentores dos cargos em questão.

Uma das ideias mais amplamente difundidas – quando se discute o sistema presidencial americano – é a de que “O vencedor pode ganhar com menos votos do que o seu adversário”. É verdade. No entanto, esta possibilidade é contra-intuitiva, importando, pois, perceber como é que sucede. Cada um dos Estados tem um número de votos no Colégio Eleitoral [ver mapa], atribuído de acordo com a sua população – de modo a colocar todos em pé de igualdade. Atualmente, há 538 Grandes Eleitores, no total, sendo necessária uma maioria de 270 votos, para vencer a eleição.

Mapa com o número de votos, por Estado, no Colégio Eleitoral, com base no Censos de 2010.

Fonte do Mapa: Wikipédia

A maioria dos Estados norte-americanos adotou um sistema de “winner-take-all”“o vencedor leva tudo” – (excepções feitas ao Maine e ao Nebraska), o qual funciona do seguinte modo: a cor política que obtiver a maioria num Estado arrebata todos os votos que lhe estão atribuídos no Colégio Eleitoral, podendo dizer-se que “vence o Estado”. Com este sistema, torna-se possível que um candidato vença sem ter a maioria dos votos populares, desde que ganhe nos Estados com maior número de lugares no Colégio Eleitoral.

     Com os meandros eleitorais em mente, avancemos para as Eleições Presidenciais de 2020. Olhando para a cronologia da corrida eleitoral com atenção, sublinharemos os momentos decisivos – os “game changers”. Após as Eleições Primárias, os representantes democratas e republicanos foram formalizados nas Convenções Nacionais dos respetivos partidos (ambas no final de agosto). Joe Biden e Kamala Harris do lado democrata, Donald Trump e Mike Pence do lado republicano.

As sondagens dos últimos meses têm sofrido diversas mutações: partindo de junho de 2020, a vantagem crescente de Biden deu lugar à recuperação ligeira de Trump. Entre os meses de julho e setembro, assistiu-se a uma relativa estagnação das previsões. Até ao final da corrida eleitoral, assumiu-se, de modo progressivo, o candidato democrata como claro favorito. Mas porque e como é que tal aconteceu?

Evolução das sondagens entre 26 de Fevereiro e 02 de Novembro de 2020.

Fonte do Gráfico: FiveThirtyEight 2020


As Convenções Partidárias

A Convenção Democrata

Dada a pandemia do novo coronavírus, a Convenção Nacional Democrata decorreu entre os dias 17 e 20 de Agosto de 2020 num formato totalmente virtual, ao invés do que estava previsto. Por essa razão, contrariamente aos anos eleitorais anteriores, todos os discursos dos oradores convidados para a Convenção do Partido Democrata foram feitos de modo online. O evento ficou assinalado pela formalização da candidatura de Joe Biden à presidência dos EUA e de Kamala Harris à vice-presidência.

O dia de abertura da Convenção Democrata contou com a presença de Bernie Sanders, candidato que desistiu da corrida aquando das Eleições Primárias do Partido Democrata. Sanders criticou a administração Trump, acusando o atual Presidente norte-americano de ser um risco para a democracia do país e de tentar levar os EUA para o caminho de um regime autoritário. Michelle Obama, ex-primeira-dama dos EUA, também esteve presente no primeiro dia da Convenção Democrata, afirmando que Donald Trump é o Presidente errado para o nosso país. Cada vez que olhamos para a Casa Branca (…), o que obtivemos (…) foi caos, divisão e uma absoluta e desenvergonhada falta de empatia”.

No segundo dia da Convenção tiveram destaque os discursos de Bill Clinton, ex-Presidente dos EUA, e de Jill Biden, a mulher do candidato democrata à Casa Branca. Clinton mostrou-se crítico da administração Trump em diversos aspetos, como por exemplo, as elevadas taxas de desemprego no país. Já o discurso de Jill Biden relembrou a atual crise pandémica e as suas consequências na sociedade norte-americana.

Kamala Harris, candidata a vice-presidente dos EUA, discursou no terceiro dia (19 de agosto) da Convenção Democrata. Barack Obama, Hillary Clinton, Billie Eilish e John Legend foram alguns dos outros nomes que marcaram presença, em formato online, nos quatro dias da Convenção.

Após o evento o candidato democrata à presidência dos EUA, Joe Biden, manteve-se confortavelmente à frente de Donald Trump nas sondagens nacionais.

A Convenção Republicana

Uma semana após o início da Convenção Nacional Democrata, teve lugar – de modo híbrido (contrariamente à vontade do Presidente incumbente) –  a Convenção Nacional do Partido Republicano. Entre os dias 24 e 27 de Agosto – quer por via de discursos pré-gravados quer através de intervenções presenciais (na cidade de Charlotte, Estado da Carolina do Norte) –, membros da família Trump, da atual Administração e outros apoiantes republicanos tentaram – a todo o custo – convencer o eleitorado de que o atual Presidente, Donald Trump, merece um segundo mandato na Casa Branca.

Porque, afinal, esta é - sobretudo - uma campanha de polarização, os quatro dias do evento foram dominados pela tentativa constante – por parte de todos os oradores – de denegrir a imagem de Biden e Kamala e, no fundo, do Partido Democrata. Negando o racismo endémico nos EUA e lembrando que só Trump é capaz de manter a “Lei” e a “Ordem” no país, afirmam que eles querem destruir este país e tudo aquilo por que lutámos e que mais estimamos, o voto por correspondência é o meio através do qual os democratas pretendem defraudar as eleições e a vitória destes repercutir-se-á na estagnação económica e na perda de milhares de empregos. Como o Diário de Notícias da Madeira vincou, Trump acusou Biden de ser o destruidor de empregos da América(2).

Nomeado formalmente candidato republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump marcou presença nas quatro noites da Convenção. Melania Trump discursou na segunda noite, Mike Pence – formalizado candidato a Vice-Presidente – na terceira. Previsivelmente, as sondagens registaram uma subida das intenções de voto no Partido Republicano, embora de importância pouco substantiva.


Os Debates

O 1º Debate Presidencial

A 29 de Setembro de 2020, os olhos do mundo voltaram-se para os EUA, para assistir ao “pior debate de sempre”, como foi apelidado pela imprensa. No primeiro frente-a-frente entre Donald Trump e Joe Biden, realizado em Cleveland, no Ohio, e moderado por Chris Wallace, da Fox News, os dois candidatos apresentaram-nos um jogo de picardias, em que dificilmente se pode considerar que tenha existido troca de ideias. Na altura de retirar um vencedor do confronto, as opiniões retraíram-se, com a aritmética a apontar para Biden – assistiu-se a um ligeiro aumento do pendor para o lado democrata, nas sondagens – mas com a moral a sair manchada por uma demonstração de nenhuma elevação. Internacionalmente, não se pouparam críticas. O jornal The New York Times referiu o “nível de desprezo acre nunca visto na política moderna americana” e as reações na Europa seguiram a mesma linha: de “caos e ataques pessoais”, no El País, a uma “tempestade terrível”, no Le Monde.

Trump testa positivo para COVID-19

Três dias depois, a 2 de outubro de 2020, o presidente Trump testou positivo para a Covid-19 e teve de ser internado. O mundo acordou surpreendido, mas não por completo. Apesar das mensagens dos líderes mundiais, que expressaram a sua solidariedade, não se pôde deixar de sentir que era esperado, como o The New York Times ressalvou com o seu “bem te avisei”, uma vez que o Presidente diminuiu a importância da doença desde que começou a pandemia. O resultado negativo chegou apenas a 12 de outubro, quando Trump já estava a caminho de um comício na Florida, pelas palavras do médico da Casa Branca, Sean Conley. Novamente, as sondagens (3) mantiveram-se em sentido ascendente para Joe Biden, e descendente para Trump, cujo primeiro gesto quando voltou à Casa Branca, ainda contagioso, foi… tirar a máscara, numa autêntica “encenação”, como a BBC afirmou.

O Debate dos Vice-Presidentes

No dia 7 de outubro, realizou-se na cidade de Salt Lake, no Estado do Utah, o debate entre o atual Vice-presidente, Mike Pence, e a candidata democrata ao cargo, Kamala Harris. Este foi o primeiro e último confronto entre os dois e aconteceu no seguimento do diagnóstico positivo de Covid-19 do Presidente Donald Trump, o que - à data - lançava incerteza sobre futuros debates entre os candidatos a Presidente.

Importante também realçar que a candidatura democrata partiu para este momento já com uma vantagem considerável, fruto de uma subida de Joe Biden nas intenções de voto, após o primeiro debate presidencial. Tendo isto em conta, os eleitores, quando inquiridos - pela CNN e a SSRS - numa sondagem antes do evento acontecer, tinham a expectativa de uma vitória da candidata democrata (cerca de 61% dos participantes esperavam esse resultado, contra 36% que esperavam uma melhor performance de Mike Pence).  As mesmas corporações repetiram o estudo logo a seguir ao evento, desta vez perguntando aos entrevistados a sua opinião sobre o vencedor da noite. As percentagens foram de encontro às expectativas, com 59% a afirmar que a senadora democrata tinha prevalecido (38% disseram que o atual Vice-presidente o tinha feito).

Geralmente aplaudido, quer na imprensa americana quer na imprensa internacional, por se ter tratado de um debate muito mais civilizado que o encontro entre os candidatos a presidente que lhe antecedeu, este não causou grandes disrupções nas sondagens, verificando-se a liderança democrata que já se tinha vindo a manifestar.

O 2º Debate Presidencial

A 22 de Outubro de 2020, os holofotes dos Estados Unidos e do resto do Mundo viraram-se para a cidade de Nashville, no Estado do Tennessee, para o segundo debate entre os candidatos a Presidente. Como para o debate anterior, os democratas partiam em vantagem nos estudos das intenções eleitorais.

Foi considerado um debate mais esclarecedor e civilizado, pela imprensa um pouco por todo o mundo. No plano americano, o The New York Times destacou “as visões opostas para a América” dos dois candidatos.  A visão com que os espetadores se parecem ter identificado mais foi a de Joe Biden, pelo menos de acordo com a sondagem conduzida pela CNN. Nela, 53% disseram que o ex-Vice-presidente tinha feito um melhor trabalho (39% disseram isso do presidente Trump). Contudo, a verdadeira estrela do debate parece ter sido Kristen Welker, a moderadora, a quem o jornal The Guardian chamou de “vencedora óbvia”.

Apesar de uma melhor performance por parte do republicano Donald Trump, as sondagens continuaram a mostrar uma vantagem para Joe Biden.


Os Resultados

A semana das eleições deixou analistas políticos pelo mundo fora em suspense, uma vez que a contagem dos votos se atrasou, devido à situação pandémica e ao consequente aumento considerável do número de votos por correspondência. Biden foi adquirindo vantagem em Estados-chave, que lhe garantiram numerosos assentos no Colégio Eleitoral, mas nada ficou decidido até sábado, dia 7 de novembro. Foi apenas com a vitória na Pensilvânia – um Estado que a par do Wisconsin e Michigan “virou” para o lado democrata – que Joe Biden se tornou o Presidente eleito dos EUA.

Resultados Eleitorais das Presidenciais nos EUA (09 novembro 2020).

Fonte do Mapa: The New York Times

É inegável que as sondagens deste ano acertaram no vencedor, apesar de algumas divergências entre o previsto e as margens de vitória por Estado. No entanto, a transição de administração perfila-se como uma etapa difícil de completar pacificamente. Donald Trump não aceitou a derrota e, à data, não proferiu qualquer discurso oficial (excluindo os seus posts no Twitter), contrariamente a Joe Biden, que apelou à “união”.

Tornar os Estados verdadeiramente Unidos é, sem dúvida, o grande objetivo – uma luta pela paz interior (Expresso) – que continuaremos a acompanhar. Os desafios  que a pandemia da Covid-19 coloca e os problemas climáticos que se orientam para o regresso ao Acordo de Paris são igualmente de grande relevância. Adicionalmente, é importante sublinhar os processos em tribunal – interpostos pela campanha de Donald Trump –  que se arrastarão no tempo, fazendo deste processo uma árdua batalha jurídica.




(1) Recordemos que se, formalmente, esta é uma eleição indireta, acaba por não o ser por completo. À partida, cada Grande Eleitor tem uma orientação de voto já conhecida, escolhendo os cidadãos aquele que votar no candidato que preferiram.

(2) Todas as informações incluídas neste site, como texto e imagens, são propriedade exclusiva da Empresa do Diário de Notícias da Madeira e protegidas pelas leis de direitos de autor.

(3) Fontes das sondagens para o primeiro debate presidencial e a infeção de Trump: FiveThirtyEight e The Economist.

Fontes para a Explicação do Sistema Americano: Encyclopaedia Britannica e estudos da faculdade, nomeadamente de Direito Constitucional e História Contemporânea (Séc. XVIII-XIX).

Fontes para a Convenção Democrata: RTP Notícias, Observador, G1 Globo, Jornal Económico e Revista Visão.

Fontes para a Convenção Republicana: Diário de Notícias da Madeira, Expresso, FiveThirtyEight, FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento) e Público.

Fontes para o Primeiro Debate Presidencial: Expresso, The New York Times, El País, Le Monde, FiveThirtyEight e The Economist.

Fontes para a Infeção de Trump por COVID-19: The New York Times, BBC News, FiveThirtyEight e The Economist.

Fontes para o Debate do Vice-Presidentes: CNN, NPR e El País.

Fontes para o Segundo Debate Presidencial: The New York Times, CNN e The Guardian.

Fontes para os Resultados: The New York Times e Expresso.

 

O autor do blog,

Diogo Santos

As colaboradoras do blog,

Inês Pinheiro, Joana Gomes e Maria Reis

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Comentários

  1. Este artigo não sendo de opinião é todavia bastante didático, pois resulta num bom resumo sobre as particularidades do sistema eleitoral americano, informando concomitantemente das vicissitudes que caracterizaram a evolução cronológica do recente acto eleitoral. Parabéns aos autores!

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  2. Muito obrigado pelo teu comentário! Agradecemos os elogios ao artigo.

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